A paralisação de serviços pode surgir nas próximas horas, avisam associações do setor, contra reformas que podem congelar carreiras e contratações durante 15 anos.
Felícia Cabrita e João Campos Rodrigues
A lua de mel do clã Bolsonaro com as forças de segurança, de quem se proclamava firme defensor, acabou com uma traição, acusam sindicatos do setor. O Governo brasileiro avançou com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) emergencial, que concede pagamentos de até 44 mil milhões de reais (equivalente a 6,47 mil milhões de euros), sobretudo a desempregados e trabalhadores autónomos, a troco de cortes enormes na despesa pública, incluíndo nas forças de segurança. Para Tania Prado, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal no Estado de São Paulo (SINDPF-SP) e da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (FENADEPOL), a súbita viragem de Jair Bolsonaro está relacionada com o escrutínio da corrupção no Brasil, e a promessa é de um “apagão” nas próximas horas desta quarta-feira. “Apagão”, no sentido de sucessivas paralisações ao longo do dia, dado que os polícias estão proibidos de fazer greve.
“Quando se colocam esses servidores todos nessa posição, está-se certamente alcançando todos aqueles que trabalham em defesa do interesse público e que combatem a corrupção”, salientou a dirigente, ao Nascer do SOL.
Caso o PEC emergencial seja aprovado, os profissionais que representa ficam em risco do congelamento de salários e da progressão na carreira durante 15 anos. O documento estabelece um teto de gastos durante esse período, que, caso as despesas obrigatórias do Estado, que incluem salários e segurança social, ultrapassem os 95% do total, ativa imediatamente o congelamento da função pública – as associações do setor queriam que as forças de segurança fossem excluídas desse mecanismo.
Além das carreiras, as forças de segurança estariam também em risco de congelamento nas novas contratações, num país que tem índices de criminalidade assombroso, e que já teve um aumento de 5% nos homicídios em 2020, com quase 44 mil mortes violentas. Para Tania Prado, as condições do PEC emergencial deixam claro que o Governo de Bolsonaro “não respeita direitos de quem está exercendo suas funções na defesa do Estado”.
Já o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) Edvandir Paiva, em conferência de imprensa em direto, com mais de 20 representantes de outras corporações, considerou que o objetivo da medida é tornar as forças de segurança “bode expiatório”, “moeda de troca”.
Em comunicado, a sua associação lembrou que “a segurança pública não parou e está na linha de frente contra a pandemia, portanto, não pode ser tratada dessa forma desrespeitosa pelo governo federal”. Além de que Bolsonaro “usou a bandeira dos policiais na eleição, mas nas reformas eles não estão sendo levados em conta”, acusou Paiva, notando que os polícias estão “extremamente irritados”.
Com a revolta das forças de segurança, o Presidente do Brasil arrisca um corte com um dos seus pilares eleitorais. Há uns meses, Bolsonaro perdeu o apoio da direita tradicional brasileira, representada por nomes como João Dória ou Sérgio Moro, tem tido fricções tanto com os militares, encabeçados pelo vice-presidente Hamilton Mourão, e com a chamada Bancada da Bala e Boi (BBB), furiosa com a demora do Presidente em aprovar a sua agenda – neste momento, sobra-lhe sobretudo a bancada evangélica e alguns movimentos de extrema-direita, ativos sobretudo na internet.
Recorde-se que Jair Bolsonaro tem motivos para estar insatisfeito com as forças de segurança. Um dos seus filhos, Carlos, foi acusado de montar um esquema de propagação de fake news, tendo outro, Flávio, sido alvo de diversas investigações, por desvios de fundos públicos, construção de prédios ilegais e até por ligação às milícias do Rio de Janeiro. A investigação ao alegado desvio de fundos por Flávio, quando era deputado estadual, através da chamada “rachadinha”, sofreu um enorme golpe quando o Supremo Tribunal de Justiça revogou o levantamento do seu sigilo bancário, há umas semanas atrás – os investigadores encarregue do caso afirmaram que houve interferência política na decisão, à Folha de S. Paulo.