No início do andamento da Reforma da Previdência, em 2016, surgiu a União dos Policiais do Brasil (UPB), composta por entidades de classe dos delegados da polícia federal e civis, policiais federais, civis e rodoviários federais, peritos criminais, guardas municipais, agentes socioeducativos e policiais penais. Estas categorias seguem aliadas em torno de novas pautas comuns, diante das reformas constitucionais e legislativas que afetam a segurança pública como um todo e os colocam como “bode expiatório”.
Em 2019, foi promulgada a emenda constitucional 103, sem regra de transição aos policiais, com redução da pensão por morte, com desconto considerável em sua remuneração devido ao aumento da alíquota previdenciária e sem diferenciação para as mulheres policiais. À medida que a chamada PEC emergencial (PEC 186/2019) avançou no Senado, tais categorias, que tinham acabado de sofrer os efeitos da lei complementar no. 173/2020 (pacto federativo), com o veto do presidente da República ao trecho que os preservava das restrições, reforçaram sua aliança e saíram às ruas para protestar, em plena pandemia.
Em rito abreviado no Congresso Nacional, sob o pretexto de viabilizar o auxílio para os necessitados, restou promulgada a emenda constitucional no. 109/2021 em 15 de março, sem margem para debates, com capacidade de mobilização reduzida, haja vista as restrições que impediram a circulação destes dentro do ambiente parlamentar.
Articulações políticas do governo com participação de integrantes da bancada da bala proporcionaram pequenas mudanças no parecer do relator da PEC 186 na Câmara para tentar acalmar os ânimos, com a retirada da vedação à progressão na carreira enquanto perdurassem determinados pressupostos dos gatilhos fiscais. Foi aprovado nessa “blitzkrieg” em novo texto constitucional o desproporcional e cruel congelamento por 15 anos das despesas no serviço público, numa clara ofensiva que ignora a existência da inflação. A toque de caixa, o Congresso Nacional, sem se importar com as consequências ao interesse público, congelou os recursos para capacitação, inclusive para o combate ao crime. Por muito pouco, quase foi extinto o Funapol, fundo imprescindível da Polícia Federal, além de proibida a realização de concursos públicos durante as crises fiscais.
Antes que a situação chegasse a esse ponto, muitos policiais tinham expectativa de que a classe política eleita em 2018 com a bandeira da defesa da segurança pública, com exaustivo uso da imagem de policiais em suas campanhas, mantivesse sua promessa de valorização, no entanto, o que se viu foi exatamente o oposto, acirrando o sentimento de traição.
Alguns acreditaram até o último momento que pudesse vir alguma medida favorável a médio prazo. Ficou claro aos policiais que uma grande “bancada da granada no bolso do servidor” se consolidara no parlamento, uma vez que vários deputados e senadores de origem policial se alinharam ao governo. Nas redes sociais, circularam imagens com fotos dos deputados considerados traidores da causa da segurança pública.
Ao mesmo tempo, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública optou por se manter distante de todo esse processo, não obstante utilize rotineiramente em seus canais de mídia notícias das operações e do desempenho das polícias. A propósito, a Polícia Federal, com efetivo de cerca de 11 mil policiais, deflagrou 6.880 operações no ano passado, muitas delas para coibir desvios de verbas públicas destinadas ao combate da Covid-19, tendo sido recuperados 9 bilhões e 600 milhões de reais em bens e valores apreendidos.
Não bastasse tudo isso, a péssima gestão da maior crise da história da saúde nacional levou ao atual ritmo lento de vacinação no país, sem perspectiva de quando estarão imunizados os policiais, que colocam suas vidas em risco por dever funcional e constitucional, com índices de contaminação que ultrapassam em três vezes a média da população brasileira.
Dois dias após a promulgação, o Congresso “derrubou um veto do próprio chefe do Planalto para anular dívidas tributárias de igrejas acumuladas após fiscalizações e multas aplicadas pela Receita Federal. (…) o valor do “perdão” seria de quase R$ 1 bilhão. Documento enviado pela liderança do governo aos parlamentares nesta semana estima a renúncia tributária de R$ 1,4 bilhão nos próximos quatro anos”*.
O contraste do desmonte do serviço público civil e da própria segurança pública, com elevada dose de “sacrifício”, em comparação com a proteção e ganhos dos militares, agrava a indignação dos policiais.
A pauta política de enxugamento do serviço público a todo custo abraçada pelo governo federal e por maioria de parlamentares continuou a caminhar, de sorte que agora os policiais se vêem diante de uma Reforma Administrativa (PEC 32/2020) com mais perdas, mais “sacrifícios”, com previsão da figura do vínculo do delegado e do policial “trainee” suscetível a ingerência política pesada, fim da estabilidade, redução salarial, mudança do sistema de progressão funcional com trava piramidal, dentre outras maldades.
As manifestações dos policiais em todo o país tem por objetivo evidenciar o desmonte da segurança pública, com reflexos na própria democracia e nas instituições de Estado. A sociedade precisa saber que a reforma proposta pelo governo, com ajuda de parlamentares, quer acabar com a estabilidade dos policiais, permitir aparelhamento político por meio de nomeações de pessoas de fora nas funções de comando das polícias, inclusive da própria Polícia Federal. E é por isso que se está lutando contra essa reforma administrativa e contra o congelamento imposto pela chamada emenda emergencial, que precisa ser revisto, sob pena de decretar o “lockdown” da segurança pública.
Tania Prado, mestre em segurança pública pela Universidade Jean Moulin Lyon 3, presidente da FENADEPOL (Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal) e do SINDPF SP (Sindicato dos Delegados de Polícia Federal do Estado de São Paulo) e diretora regional da ADPF em São Paulo (Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal)
Fonte Segura – Edição 81
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