Nas últimas semanas, vem se intensificando na mídia a exposição de diversas situações de vulnerabilidade da Polícia Federal, órgão componente da segurança pública que tem por missão constitucional exercer com exclusividade as funções de polícia judiciária da União, isto é, de investigar crimes federais, transnacionais, dentre outras atribuições. A PF é instituição de Estado, não de governo, considerada em pesquisas de opinião como a mais confiável pelos brasileiros, porém sem garantias constitucionais que efetivamente impeçam pressões, ingerências e interferências externas e políticas de toda espécie. Enquanto não houver previsão na Lei e na Constituição de lista tríplice e mandato para seu Diretor-Geral e autonomia funcional, administrativa e orçamentária para a PF, tal quadro tende a piorar.
Sujeita a cortes e contingenciamento no seu orçamento ao longo do ano, a PF está sempre buscando adequar suas necessidades a recursos cada vez mais restritos e nunca consegue repor todos os cargos vagos de seu reduzido efetivo em todo o território nacional. Muitas delegacias são verdadeiros puxadinhos, insalubres, precárias. A velocidade das redes da PF em várias superintendências e delegacias são deficitárias, dificultando o bom andamento dos trabalhos. Jogados à sua própria sorte, os policiais não contam com plano de saúde institucional, nem recebem indenização por sobreaviso.
Mudanças frequentes na direção-geral da Polícia Federal, seguidas de alterações nas nomeações de superintendentes regionais e dos demais cargos de gestão, inquestionavelmente prejudicam a continuidade de projetos, de investigações e das demais atividades da instituição.
Não bastasse tudo isso, recentemente, em 31 de agosto, num substitutivo da perigosa reforma administrativa (PEC 32) em andamento na Câmara, apareceu uma espécie de cavalo de Troia que propunha que delegado de Polícia Federal passasse a ser uma função por designação do diretor-geral, ou seja, que pode ser retirada, criando uma espécie de delegado ‘ad hoc’ para cada caso, escolhido sem critérios objetivos, em frontal violação aos princípios da impessoalidade e da probidade na Administração Pública. A mudança ao parágrafo 1º do artigo 144 da Constituição proposta era a seguinte:“§ 1º-A Os inquéritos policiais relacionados ao exercício das funções institucionais de que trata o § 1º serão conduzidos por Delegados integrantes da carreira nele referida, designados pelo Diretor-Geral da Polícia Federal”, ou seja, grave retrocesso, na contramão do estabelecido na lei 12.830/2013 e do princípio do delegado natural. Diante da forte repercussão negativa, o relator retirou o trecho do substitutivo, alegando ter sido incluído por engano.
De que forma a PF pode ser protegida então?
Desde 2009, tramita na Câmara a proposta de emenda à Constituição número 412, conhecida como PEC da autonomia da PF, a qual prevê que uma Lei Complementar organizará a Polícia Federal e irá estabelecer normas para que a corporação tenha autonomia funcional, administrativa e orçamentária, sem interferências externas. Além disso, em 2015 foi apresentada no Senado a PEC 101, com previsão de estabilidade ao Diretor-Geral, mediante mandato e formação de lista tríplice. Ambas as propostas encontram-se absolutamente paradas no Congresso Nacional, embora vários parlamentares tenham sido eleitos com a promessa de avançarem tais bandeiras. Essas medidas são essenciais para que a PF não fique sujeita a interferências externas a todo tempo.
A PF vem recuperando aos cofres públicos bilhões de reais apreendidos espoliados, impedindo a continuidade delitiva da criminalidade organizada ou até mesmo da chamada criminalidade institucional. Garantir na Constituição a autonomia da Polícia Federal é garantir a continuidade e eficácia de suas funções. A pauta do fortalecimento da Polícia Federal precisa ser priorizada, sob pena de comprometimento de sua credibilidade e aniquilação de sua missão constitucional.
Fortalecer a Polícia Federal é urgente.
Tania Prado, Mestre em Segurança Pública pela Universidade Jean Moulin Lyon 3, na França, em 2012. Presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (FENADEPOL, desde 2020) e do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal do Estado de São Paulo (SINDPF SP, desde 2017). Diretora Regional da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal de São Paulo (ADPF-SP, desde 2016).