Entre a Espada de Ferro e a Tempestade de Al-Aqsa

 

Ações e reações violentas retroalimentam o ciclo do extremismo e farão mais vítimas inocentes entre judeus, palestinos ou qualquer pessoa que por acaso seja apanhada pelas ondas de sangue

POR MARCOS PAULO PIMENTEL
(Carta Capital)

7 de outubro. Feriado. Ao nascer do ensolarado dia, o Hamas iniciou a chamada “Operação Tempestade de Al-Aqsa”, que seria o maior ataque de uma organização palestina em território israelense.
As forças de defesa foram surpreendidas com o avanço por terra, céu e mar contra unidades militares e policiais, além da tomada de áreas inteiras povoadas por civis.
O efeito surpresa, rapidamente, converteu-se em abjetos resultados, com a morte de muitas centenas de pessoas, além do sequestro de outras dezenas, inclusive mulheres e idosos. Os primeiros dias da ofensiva foram os mais letais da história de Israel, com uma média diária de mortes de israelenses maior que a de todas as guerras das quais o país participou.
Mas, além do terror causado, quais seriam os objetivos estratégicos do Hamas ao executar uma ação desse porte?
Um breve exercício prospectivo pode apontar alguns desdobramentos inicialmente favoráveis ao grupo palestino.
O ataque demonstra uma alta capacidade operacional do Hamas, fortalecendo-o como uma das principais referências na alegada defesa da causa palestina, com o potencial de angariar aliados, recursos e combatentes.
As manifestações públicas de apoio pelo Irã, pelo Hezbollah e por parte das comunidades palestinas evidenciam esse reconhecimento e posicionam o Hamas no centro do palco antissionista. O ineditismo dos objetivos atingidos, além de expor vulnerabilidades de Israel e evidenciar falhas da coalizão que ora governa o país, pode encorajar outros atores a atentarem diretamente contra Israel. Ataques do Hezbollah, ao norte, e de grupos militantes na Cisjordânia, como as Brigadas de Jenim e a Cova dos Leões, abririam ao menos três frentes concomitantes de embates, aumentando a instabilidade na região e tornando mais complicada a resposta militar israelense. Partiu do Exército de Israel a informação de que brasileiros estão entre os reféns do Hamas em Gaza.Foto: JACK GUEZ / AFP Cabe lembrar que o Hezbollah possui potencial capacidade de combate maior que a do Hamas, que pode ter aumentado ao longo dos últimos anos, inclusive com financiamento de aliados regionais ou a partir da produção e tráfico de drogas em larga escala, como o Captagon.
E o risco de intensificação do conflito é aumentado com a pesada resposta de Israel na chamada “Operação Espada de Ferro”.
Ataques aéreos israelenses na Faixa de Gaza, uma das regiões com maior densidade populacional do mundo, devem vitimar muitos cidadãos palestinos não envolvidos nas atividades do Hamas.
Excessos na contraofensiva também já prejudicaram alguns processos de normalização de relações, como o existente entre Israel e a Arábia Saudita, o que pode ter sido um dos principais triunfos do Hamas.
Governos serão pressionados a se posicionarem tanto por um reconhecimento da natureza terrorista dos ataques do grupo palestino quanto pelas questões humanitárias decorrentes da resposta israelense, polarizando ainda mais a questão.
Os reféns levados para Gaza, além de servirem como escudos humanos, também podem constituir valiosa moeda de troca, como já ocorreu em 2011 quando o soldado israelense Gilad Shalit foi libertado em troca da soltura de mil prisioneiros palestinos.
Por outro lado, apesar da catástrofe, o ataque em território israelense pode também trazer alguns resultados favoráveis ao atual governo de Israel, que possui capacidade bélica inquestionavelmente maior que a do Hamas.
Logo de imediato, diversos problemas que vinham sendo enfrentados pelo governo israelense foram superados, em especial aqueles relacionados à polêmica reforma do poder judiciário.
Massivas manifestações populares nas ruas, desistências de militares voluntários, críticas internacionais, tudo foi suspenso em razão da comoção causada pelos ataques.
A imediata e contundente reação, inclusive, pode prover dividendos políticos às alas mais radicais da política israelense, o que asseguraria sua permanência no poder pelos próximos anos, a depender dos desdobramentos do conflito.
Os Estados Unidos e diversos países da Europa, que há poucos meses criticavam medidas do atual governo, como as políticas relacionadas aos assentamentos judeus na Cisjordânia, já manifestaram publicamente solidariedade a Israel e pleno apoio a seu direito de defesa.
É fundamental considerar que, além dos interesses econômicos e políticos envolvidos, Israel possui armas nucleares e as grandes potências intervirão em seu favor caso seja necessário para evitar que o país use esse recurso extremo ou corra o risco de perdê-lo para outro ente não alinhado.
A coalizão que governa Israel encontra um cenário parcialmente favorável ao menos para adotar, em nome da autodefesa, diversas medidas que há alguns meses eram ou poderiam ser condenadas por sua população ou pela comunidade internacional.
O recente ataque do Hamas é um lembrete doloroso de que a paz na região continua a ser uma questão urgente e crucial, que não vem sendo devidamente tratada pelas grandes potências mundiais. Ações e reações violentas retroalimentam o ciclo do extremismo e farão mais vítimas inocentes entre judeus, palestinos ou qualquer pessoa que por acaso seja apanhada pelas ondas de sangue e ódio. A comunidade internacional deve desempenhar um papel ativo na promoção do diálogo e da cooperação entre Israel e Palestina e verdadeiramente apoiar esforços para alcançar uma solução justa e duradoura para o conflito.
Que as tragédias dessa semana possam, ao menos, ser o marco de uma mudança de paradigmas na busca conjunta pela paz e pela estabilidade na região.

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