Precisamos falar sobre suicídio e solidariedade no meio policial

 

Tania Prado

Não só no Setembro Amarelo, mas durante todo o ano, todos têm uma importante missão nas polícias: cuidar uns dos outros para que não recebamos mais, com o coração dilacerado, notícias de colegas queridos que partiram antes do tempo. Mais que falar sobre o assunto, precisamos nos conscientizar sobre o problema e nos municiar de informações que possam fazer a diferença. É preciso derrubar os tabus, que não são poucos, que rondam a “depressão”, o grande mal do século XXI. 

 

A depressão é uma doença que tem tratamento e cura. Ela assola toda a sociedade e atinge a todos sem distinção econômica, de raça ou credo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nos últimos dez anos o número de pessoas com depressão aumentou 18,4%, atingindo 322 milhões de pessoas, o equivalente a 4,4% da população do planeta.

 

E o Brasil é considerado o país mais ansioso e estressado da América Latina. Por aqui, a depressão atinge 5,8% da população, a maior taxa do continente.

 

A doença é especialmente perigosa para os profissionais que atuam em segurança pública. Nossa categoria é, por natureza, mais propensa ao suicídio. Dados recentes disponibilizados pelas entidades representativas da categoria revelam que, no Brasil, 30% dos policiais federais fazem algum tipo de tratamento psicológico com remédios. 

 

Os números de suicídio comprovam a vulnerabilidade dos policiais. Nos últimos 10 anos, 31 servidores da PF tiraram a própria vida, segundo um levantamento feito pela Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef). Pode parecer um número baixo, mas quando comparamos com a taxa de suicídios na população em geral, os dados assustam: o índice de suicídio entre estes policiais é quatro vezes maior do que na população em geral.

 

Segundo dados do Ministério da Saúde, o volume de suicídios a cada 100 mil habitantes em 2016 foi de 5,8. Fazendo a projeção proporcional para os casos de suicídio entre policiais federais, a taxa seria de 23,13 mortes a cada 100 mil pessoas.

 

Isso exige de todos nós uma postura mais proativa, solidária e humana. A palavra-chave é a empatia. Precisamos cuidar dos nossos companheiros de trabalho quando percebermos que ele enfrentam problemas. Uma orientação e uma palavra amiga muitas vezes podem fazer a diferença entre a vida e a morte, afinal, 90% dos casos de suicídios podem ser evitados.

 

A delegada de Polícia Federal Tatiane da Costa Almeida estudou o tema em sua tese de mestrado ‘Quero Morrer do Meu Próprio Veneno’, no Instituto Universitário de Lisboa, em Portugal. Ela entrevistou policiais federais e desenvolveu um questionário, que foi aplicado a dois mil alunos da Academia de Polícia.

 

Tatiane percebeu que o isolamento inerente à profissão, que começa já no treinamento na Academia, é um dos fatores que contribuem para provocar um quadro de depressão.

 

A diferença entre a profissão idealizada e a prática, que contém muito trabalho burocrático, é outro fator que costuma frustrar os policiais. A precariedade das condições de trabalho também contribuem para empurrar a categoria para um quadro depressivo: muitos de nós estão sobrecarregados com a falta de profissionais e a carga de estresse, que já grande, fica ainda maior.

 

A constante rotatividade, mudança de cidades são fatores de profundo estresse para um policial. Muitas vezes ele é mandado para regiões mais distantes, onde não conhece ninguém, tem que pagar as despesas de mudança do próprio bolso e começar uma vida do zero. A carga de estresse que isso ocasiona é muito forte. Por isso, o atendimento psicológico em tempo integral é tão fundamental.

 

O maior inimigo das policiais não é o criminoso, mas o suicídio. Estudos recentes mostraram que, hoje, mais agentes de segurança estão morrendo em decorrência do suicídio do que em confrontos com criminosos.

 

Além de nos assustar, essa realidade tem que servir para impulsionar uma mudança na forma de encarar a depressão e outras doenças mentais.

 

É preciso cobrar do governo, do Ministério da Justiça e da Segurança Pública e da própria administração da PF uma postura mais incisiva e abrangente para o enfrentamento desta realidade. O Estado precisa garantir que seus servidores, especialmente aqueles que cuidam da segurança de toda população, recebam o atendimento e cuidado necessários para garantir o seu bem-estar físico e mental.

 

É urgente investir em programas de apoio psicológico 24 horas e ampliar o acesso a profissionais especializados em atender esse público.

 

Enquanto isso não acontece, cabe a todos nós estarmos informados para oferecer ajuda a um colega assim que identificarmos sinais de alerta.

 

Ao notar mudanças repentinas de hábitos e humor em um colega (como isolamento; irritabilidade; perda de interesse em atividades que antes gostava; piora no desempenho; alterações de sono ou problemas de conduta), é preciso agir. Conversar e oferecer ajuda podem fazer a diferença e salvar uma vida. Encontre um momento e local adequado para falar sobre o assunto. Ofereça apoio. É importante orientar e incentivar a pessoa a procurar ajuda e acompanhá-la, se possível.

 

Há mecanismos que podem nos nortear, como o Centro de Valorização da Vida (CVV), que atende de forma gratuita e sigilosa todas as pessoas que querem conversar sobre o assunto. O atendimento é por telefone (número 188), e-mail e chat e funciona 24 horas, todos os dias. Mas, o mais importante, todos nós temos: a solidariedade. Chegou a hora de usá-la.

Tania Prado, Mestre em Segurança Pública pela Universidade Jean Moulin Lyon 3, na França. Diretora Regional da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal de São Paulo (ADPF-SP) e Presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (FENADEPOL) e do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal do Estado de São Paulo (SINDPF SP).

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