Mudança incluída na Reforma Administrativa dá foro privilegiado ao Diretor-Geral da Polícia Federal e o direito de escolher que delegado vai investigar crimes em qualquer lugar do Brasil

 

Mudanças propostas pelo relator da PEC 20/2020, deputado Arthur Oliveira Maia, está provocando indignação em todo o Brasil. “Claramente tais propostas de mudanças no texto constitucional representam grave retrocesso...Enquanto isso, infelizmente propostas para fortalecimento do órgão, com previsão de autonomia funcional, administrativa e financeira da PF e para mandato de Diretor-Geral, com lista tríplice, estão paradas há anos no Congresso Nacional”, lamenta Tania Prado.

O relatório final da Reforma Administrativa, apresentada na noite de terça-feira (31/08) pelo deputado federal Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), estabelece prerrogativa de foro para o Diretor-Geral da Polícia Federal. Porém, o que está causando surpresa e revolta entre a categoria em todo o País é que, se o artigo inserido pelo relator na Proposta de Emenda à Constituição 32/2020 for aprovado, caberá ao Diretor-Geral da PF designar os delegados para atuarem em Inquéritos Policiais. Cria-se, assim, uma espécie de  “Delegado ad hoc” para cada caso, escolhido sem critérios objetivos pelo chefe da Polícia Federal.

De acordo com a proposta do relator da PEC 32/2020, Arthur Oliveira Maia, um dos substitutivos transfere ao Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento de infrações penais comuns e crimes de responsabilidade que possam ter sido cometidos pelo Diretor-Geral da Polícia Federal. Atualmente, este foro é reservado apenas para ministros de Estado e comandantes das Forças Armadas, além de membros de Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União e chefes de missão diplomática.

O substitutivo também estabelece que Inquéritos Policiais relacionados ao exercício das funções institucionais da Polícia Federal serão conduzidos por delegados integrantes da carreira e designados pelo Diretor-Geral da Polícia Federal.

Para a presidente das Federação Nacional dos Delegados Federais e do Sindicato dos Delegados Federais no Estado de São Paulo, Tania Prado, as mudanças propostas pelo relator da PEC 32/2020 representam grave retrocesso:

“O substitutivo da Reforma Administrativa surpreendeu ao incluir o Diretor-Geral da Polícia Federal no rol das autoridades que têm foro privilegiado, tanto para infrações penais comuns como para os crimes de responsabilidade, além de propor que o Delegado de Polícia Federal passe a ser uma função por designação do Diretor-Geral, ou seja, função que pode ser retirada, o que viola os princípios da impessoalidade e da probidade na Administração Pública”.

Para Tania Prado, “claramente tais propostas de mudanças no texto constitucional representam grave retrocesso, na contramão do estabelecido na lei 12.830/2013 e do princípio do delegado natural. Enquanto isso, infelizmente Propostas de Emenda à Constituição para fortalecimento do órgão, com previsão de autonomia funcional, administrativa e financeira da PF e para mandato de Diretor-Geral, com lista tríplice, estão paradas há anos no Congresso Nacional.”

A alteração que dá ao Diretor-Geral da PF a prerrogativa de escolher qual delegado vai apurar determinado inquérito, impedirá que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) escolham delegados da Polícia Federal para conduzir investigações. Essa prática tem sido adotada recentemente pelo ministro Alexandre de Moraes na designação de investigadores para atuar nos inquéritos que miram bolsonaristas.

Atualmente, os superintendentes Regionais e chefes de setores de investigação da Polícia Federal têm competência para designar os delegados responsáveis por cada inquérito. A alteração concentraria esses poderes no chefe da PF, que é escolhido diretamente pelo Presidente da República.

Essa alteração significa dizer que caberá, por exemplo, ao Diretor-Geral da Polícia Federal, que fica lotado em Brasília, escolher que delegado federal vai investigar crimes de corrupção em qualquer Estado da Federação; que delegado vai investigar tráfico de drogas e de armas em qualquer lugar do País; que delegado investigará lavagem de dinheiro e uso de moedas falsas em qualquer cidade brasileira; que delegado vai investigar assaltos a agências dos Correios, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, que são instituições do Governo Federal, em qualquer parte do Brasil.

O documento apresentado pelo relator da PEC, Arthur Oliveira Maia, tem substitutivo em que mantém a estabilidade de servidores públicos, admite o desligamento de servidores estáveis que ocupam cargos obsoletos, exclui a possibilidade de vínculo de experiência como etapa de concursos públicos e acaba com vantagens para detentores de mandatos eletivos e ocupantes de outros cargos. A PEC 32/2020 deve ser votada entre os dias 14 e 16 de setembro na Comissão Especial.

O texto do relator também assegura a preservação de direitos de servidores admitidos antes da publicação da futura emenda constitucional. No caso de redução de jornada, com respectiva redução de salário, os servidores e empregados públicos admitidos até a data de publicação da emenda poderão optar pela jornada reduzida ou pela jornada máxima estabelecida para o cargo ou emprego.

Das 45 emendas apresentadas à proposta na comissão especial, o relator acolheu totalmente sete e parcialmente 20. Arthur Maia alerta que, se o texto original do Poder Executivo fosse aprovado, a administração pública brasileira recomeçaria do zero e os servidores atuais “teriam o mesmo destino dos dinossauros”.

Segundo ele, “o resultado concreto seria a colocação de todos os atuais servidores em um regime em extinção, como se nenhuma contribuição mais pudessem dar para o futuro da administração pública”.

Estabilidade

O relator apoiou a manutenção da estabilidade de servidores públicos por entender que o instrumento defende os cidadãos. “O mecanismo inibe e atrapalha o mau uso dos recursos públicos, na medida em que evita manipulações e serve de obstáculo ao mau comportamento de gestores ainda impregnados da tradição patrimonialista”, argumentou. Na proposta original do Poder Executivo, apenas as carreiras típicas de Estado manteriam a estabilidade.

Arthur Oliveira Maia admitiu a hipótese de desligamento de servidores estáveis que ocupam cargos que se tornaram desnecessários ou obsoletos. Neste caso, o servidor receberá pagamento de indenização. No entanto, a hipótese não será aplicada a servidores que foram admitidos antes da publicação da emenda constitucional.

O relator ainda manteve texto da proposta original que anula a concessão de estabilidade no emprego ou de proteção contra a despedida para empregados de empresas públicas, sociedades de economia mista e das subsidiárias dessas empresas e sociedades por meio de negociação, coletiva ou individual, ou de ato normativo que não seja aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada.

Avaliação de desempenho

O relator introduziu regras específicas para avaliação de desempenho de servidores. “A avaliação de desempenho não será mais utilizada com o propósito de desligar servidores, mas para incentivar a melhoria na prestação de serviços”, disse.

No substitutivo, a avaliação periódica será realizada de forma contínua e com a participação do avaliado. Ela terá o objetivo de aferir a contribuição do desempenho individual do servidor para o alcance dos resultados institucionais do seu órgão ou entidade e possibilitar a valorização e o reconhecimento dos servidores que tenham desempenho superior ao considerado satisfatório. O resultado poderá ser usado para fins de promoção ou progressão na carreira, de nomeação para cargos em comissão e de designação para funções de confiança.

Outra finalidade da avaliação é adotar medidas para elevar desempenho considerado insatisfatório. O substitutivo destaca que o procedimento observará os meios e as condições efetivamente disponibilizados ao servidor para desempenho de suas atribuições.

Ainda haverá a possibilidade de perda de cargo estável em decorrência de resultado insatisfatório em procedimento de avaliação de desempenho. As condições para perda do cargo ainda serão regulamentadas por lei.

Enquanto a lei não entrar em vigor, o processo administrativo voltado à perda do cargo somente será instaurado após três ciclos consecutivos ou cinco ciclos intercalados de avaliação de desempenho em que se obtenha resultado insatisfatório.

Cargos exclusivos

O substitutivo define as atividades de cargos exclusivos de Estado, que no texto original eram chamados de cargos típicos. Segundo a relatório, são funções finalísticas e diretamente afetas à segurança pública, à representação diplomática, à inteligência de Estado, à gestão governamental, à advocacia pública, à defensoria pública, à elaboração orçamentária, ao processo judicial e legislativo, à atuação institucional do Ministério Público, à manutenção da ordem tributária e financeira ou ao exercício de atividades de regulação, de fiscalização e de controle.

Estes cargos não poderão ter contratação por tempo determinado, nem terão redução da jornada de trabalho ou de remuneração. A legislação deverá estabelecer critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável investido em cargo exclusivo de Estado.

Também não atinge essas funções o dispositivo que permite firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira.

Este dispositivo, mantido pelo relator para outras carreiras, é um dos itens da PEC mais criticados por deputados da oposição. Em uma audiência pública, representantes de policiais afirmaram que temiam a entrega de serviços de segurança para iniciativa privada.

Vantagens

O substitutivo acaba com uma série de vantagens para cargos e carreiras que não estavam contempladas inicialmente na proposta original do Poder Executivo. Segundo o texto, ficam vedadas:

  • férias superiores a 30 dias pelo período aquisitivo de um ano;
  • adicionais referentes a tempo de serviço, independentemente da denominação adotada;
  • aumento de remuneração ou de parcelas indenizatórias com efeitos retroativos;
  • licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, independentemente da denominação adotada, ressalvada, dentro dos limites da lei, licença para fins de capacitação;
  • aposentadoria compulsória como modalidade de punição;
  • adicional ou indenização por substituição, independentemente da denominação adotada, ressalvada a efetiva substituição de cargo em comissão e função de confiança;
  • parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e critérios de cálculo definidos em lei, exceto para os empregados de empresas estatais e para os servidores a serviço do governo brasileiro no exterior;
  • progressão ou promoção baseadas exclusivamente em tempo de serviço.

As novas regras vão ser aplicadas a detentores de mandatos eletivos, membros dos tribunais e conselhos de Contas, ocupantes de cargos e titulares de empregos ou de funções públicas da administração direta e indireta da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, assim como aos dirigentes dos órgãos e das entidades integrantes da respectiva estrutura.

O relator explicou por que não incluiu membros do Judiciário ao acolher a chamada emenda antiprivilégio. “Ontem recebemos aqui parecer da Casa informando que a emenda era inconstitucional por abranger outros Poderes. Tomei a seguinte deliberação: mantive a presença de nós deputados. Não me sinto à vontade de fazer a reforma sem incluir os parlamentares. Mas em relação aos outros Poderes, remeto a decisão para o plenário da comissão”, disse.

Recursos eletrônicos

O substitutivo inclui na Constituição o uso de recursos eletrônicos no funcionamento do aparato estatal. “Trata-se de caminho sem volta, que precisa ser incentivado e disciplinado”, analisa Arthur Oliveira Maia. No texto, será obrigatória a utilização de plataforma eletrônica de serviços públicos, na forma da lei, que permita:

  • a automação de procedimentos executados pelos órgãos e entidades integrantes de sua estrutura;
  • o acesso dos cidadãos aos serviços que lhes sejam prestados e à avaliação da respectiva qualidade;
  • o reforço e o estímulo à transparência das informações sobre a gestão de recursos públicos.

Estimativa de impacto

No relatório, Arthur Oliveira Maia afirma que a proposição não cria despesas ou gera receitas que possam ser “quantificadas objetiva e imediatamente”. “Produz alterações em regimes jurídicos cujo impacto financeiro e orçamentário não se revela passível de dimensionamento”, ponderou. O argumento é que os efeitos concretos só serão produzidos depois da regulamentação dos dispositivos modificados pela proposta.

A ausência de uma estimativa de impacto gerou polêmica nas audiências públicas da comissão. Deputados da oposição chegaram a defender que a tramitação da PEC fosse interrompida até que o governo informasse ao Tribunal de Contas da União (TCU) projeções mais precisas de redução de gastos públicos com a reforma administrativa. O Ministério da Economia apresentou à imprensa estimativas que variam de R$ 300 bilhões a R$ 816 bilhões de economia com gastos obrigatórios no longo prazo.

Regulamentação

O substitutivo propõe a criação de quatro novas leis para regulamentar a administração pública:

  • normas gerais sobre concurso público, políticas remuneratória, de benefícios e de desenvolvimento de pessoas, progressão e promoção funcionais, gestão de desempenho e jornada de trabalho;
  • normas gerais destinadas a disciplinar a ocupação de cargos em comissão;
    normas gerais sobre contratação por tempo determinado em regime de direito administrativo, que definirão, entre outros aspectos, formas de seleção pública, direitos, deveres, vedações e duração máxima do contrato;
  • condições para perda de cargo por desempenho insatisfatório de servidor estável ou em decorrência do reconhecimento de que o cargo se tornou desnecessário.

(Com informações também da Agência Câmara de Notícias)

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